24 Outubro 2022
Diversos / BLOG

Este mundo não é para pobres.

O romance e o filme homónimo dos Irmãos Coen, No Country for Old Men, encontram, no descritivo título, uma fulgurante, ainda que sombria, síntese dos tempos que passam.

Não é apenas para os velhos que não existe lugar habitável. Desempregados, colarinhos azuis, refugiados, migrantes, adictos, meninos de rua, prostitutas, sem abrigo – pobres numa palava, são apátridas num mundo que apenas concede direitos de real cidadania aos exibicionistas do dinheiro, por mais turva que seja a fonte da glamorosa opulência.

Este país Portugal também não é para pobres.

É para ricos. É sobretudo, para os hiper-ricos. A quem, generoso, abre fronteiras, e concede autorizações de residência e títulos de nacionalidade posto que sejam abastados, muito abastados, abastados o suficiente para tornar ainda mais ricos os nativos irmãos de fortuna, comprando-lhes casas douradas, sociedades douradas, entretenimentos dourados.

E a quem permite vidas douradas, sem impostos e sem o espectáculo deprimente da pobreza dos autóctones, apenas diurmente tolerados como submissos serviçais low cost e convenientemente despachados, mal a noite cai, para o urbanismo concentracionário das periferias, dos subúrbios, das zonas J e dos quartos de aluguer.

Hiper-ricos a quem, por outro lado, apesar de não pagarem impostos que se vejam – como esfalfada mas inutilmente vêm denunciando Thomas Piketty e Joseph Stiglitz – muito afligem os liliputianos nos salários dos servos e as liliputianas reformas dos servos.

E que, no intervalo das vernissages, muito se escandalizam – oh horror dos horrores! – com rendimentos mínimos garantidos e demais prestações malfeitoras do abominável Estado Social.

São uns ingratos. Pois fingem esquecer que Estado financia as prestações sociais concedidas aos servos com impostos daqueles privativos. Impostos esses que, em passe de mágica digno de um anti-Robin Hood, são o maná constituinte dos donativos, subsídios, prebendas, rendas e demais subvenções a fundo perdido a que os hiper-ricos têm, ao que consta, merecido direito de natureza quase divina.

Há que corrigir Lampedusa. É preciso que tudo – ou alguma coisa – mude, para que tudo realmente mude.

Manuel Castelo Branco – Docente do ISCAC, in Diário As Beiras (08/10/2022)