O valor dos empréstimos cai pela primeira vez em dez anos e taxa mista ganha força: o que mudou no crédito à habitação em Portugal?
Num ano atípico com a subida das taxas por parte do Banco Central Europeu, o mercado do crédito à habitação em Portugal sofreu pesadas alterações face aos anos anteriores. O montante do valor emprestado pelos bancos para comprar casa em Portugal caiu pela primeira vez na última década e, num ambiente de juros elevados e grandes encargos para as famílias, os reembolsos antecipados quase duplicaram.
O relatório do Banco de Portugal, divulgado na tarde desta quinta-feira, indica que foram celebrados 99.101 contratos de crédito à habitação em Portugal no ano passado (-14,4% face a 2022) e os bancos emprestaram um total de 13,6 mil milhões de euros (-13,9%) para comprar casa. Ainda assim, o número total de empréstimos encolheu de 1,5 milhões para 1,35 milhões, de um ano para o outro.
“Esta evolução do montante de crédito à habitação concedido e do número de contratos celebrados verificou-se num contexto de sucessivos aumentos das taxas de juro de referência (v.g. taxas Euribor) nos três primeiros trimestres de 2023, associada à alteração da política monetária iniciada em 2022”, pode ler-se na nota do Banco de Portugal.
Apesar do montante emprestado ter sido menor no ano todo, sofreu um aumento entre setembro e dezembro. Isto justifica-se pela entrada das novas regras do Banco de Portugal, que aliviou a taxa de esforço que os bancos têm de simular quando emprestam dinheiro aos clientes. A medida foi anunciada em agosto e entrou em vigor em outubro e juntou-se a uma série de outras propostas avançadas pelo Governo de António Costa. O mesmo relatório do Banco de Portugal mostra também que foram realizados 247.601 reembolsos antecipados em Portugal, no ano passado, uma subida de 74,4% face ao ano anterior. Foram amortizados 11,2 mil milhões de euros (mais 64,6% face a 2022), correspondente a cerca de 11,4% do saldo em dívida total no final do ano.
Do total de reembolsos efetuados, 131.660 portugueses (mais de metade) decidiram acabar de pagar o crédito de vez ao banco.
Outra das novidades no mercado do crédito à habitação prende-se com a escolha da taxa a aplicar sobre o contrato com o banco. Em Portugal, 86,2% dos empréstimos eram feitos com taxa variável, o que significa que o valor a pagar ao banco varia consoante o desempenho das Euribor. Mas, em 2023, quase metade dos novos contratos já foram feitos com taxa mista, ou seja, com um período inicial de taxa fixa seguido de um período de taxa variável.
Esta foi uma forma de responder à subida de juros por parte do Banco Central Europeu, que entre 2022 e 2023, subiu as taxas de juro diretoras de 0% para 4% – influenciando todas as outras. A taxa fixa aumentou para 12,4% dos contratos celebrados no ano passado, ao passo que a taxa variável caiu para metade (42,6%).
A Euribor a seis meses foi a referência mais usada nos créditos (72,1%) em 2023. A taxa a 12 meses, que tem sido a mais usada nos anos anteriores, passou a corresponder a apenas 4,7% dos novos contratos no ano passado. No total, 75% do crédito à habitação em Portugal está indexado a estas duas referências.
O Banco de Portugal informa que foram realizados 144.930 contratos de crédito, o que representou 10,7% dos contratos em carteira no final de 2023. As renegociações realizadas em 2023 envolveram um montante de crédito renegociado de 17 mil milhões de euros, um aumento de 300,8%, face a 2022.
“Esta evolução ocorre num contexto em que vigoraram medidas de apoio aos consumidores para mitigar os efeitos do aumento das taxas de juro de referência e prevenir o risco de incumprimento”, diz o supervisor nacional, acrescentando que “a suspensão da comissão de reembolso antecipado poderá ter sido também um fator promotor das renegociações”.