Quando era adolescente fui convidado a ir falar a umas Jornadas intituladas “Figueira da Foz: Os Jovens e o Futuro”, que pretendia capturar a visão da próxima geração de Figueirenses quanto ao futuro da nossa linda cidade. Foi a primeira vez que falei em público e, na altura, mal sabia que um dia iria fazer disso profissão.
É por isso que vejo com alguma tristeza que, duas décadas e meia depois, muitos dos temas que foram levantados na altura continuam actuais. Talvez o mais iluminador destes temas, “Afinal, o que é a Figueira?”.
Não, não é. Uma cidade turística não permite a destruição do seu principal activo, o areal da Praia da Claridade, em prol de um paredão que serve o Porto comercial e pesqueiro. Também não se permite a ter uma oferta que é claramente sazonal e dependente de 3 meses de tempo instável e, sejamos honestos, frequentemente medíocre, dado a vendavais e nevoeiros estivais. Ambos muito aquém de outros destinos que, já aqui ao lado, competem connosco. Ah, e não esquecer que temos um rio. Não temos sequer um restaurante à beira-rio, quase total ausência de actividades para visitantes… quem visita a Figueira frequentemente sai de cá sem saber que temos um.
Claramente que não. Uma cidade de Surf não permite a destruição de uma das melhores ondas do País para iniciados, a do Cabelinho, novamente em prol de um paredão. Nem se dá ao luxo de não ter uma oferta de alojamento integrado. Perguntem-se, o que faz um turista de Surf quando chega à Figueira? Fica alojado na Figueira, certo? E depois como vai para onde há ondas? Num dos raros autocarros que fazem a travessia? De táxi? Como é que levam as pranchas, caso tenham trazido o seu próprio material?
Não, nem nunca vai ser. Desde que tenho idade para comer sentado que se tornava evidente que o assoreamento do Mondego não iria permitir a expansão do nosso porto comercial e que nunca iríamos passar de um porto de recurso face, por exemplo, a Leixões, excepção feita ao transporte de madeira e papel para servir as fábricas de celulose e papel.
Uma cidade industrial não cria um parque industrial que, pelo menos nas décadas do seu início, apresentava condições marcadamente desvantajosas face aos Concelhos circundantes. E que, consequentemente, se deixou ficar para trás face a estes.
Experimentem ter um visitante estrangeiro, como acontece frequentemente comigo, e tentar apontar-lhe um programa cultural para um dia. Só um. E depois respondam a esta questão.
Então, o que é a Figueira? A resposta é: um pouco de tudo. E, como tal, nada.
No século passado poderia ser possível a uma cidade vingar sendo um pouco de tudo. No século XXI, municípios, empresas e indivíduos têm, no geral, que especializar para terem uma oportunidade no actual contexto competitivo.
E na Figueira faltam, como acontecia há 25 anos atrás, duas coisas: visão e integração.
Uma visão que decida o que é que a Figueira é. O que é que a faz especial. O que é que a distingue das demais cidades. O que é que faz com que alguém, turista ou empresário, escolha a Figueira e não Leiria, Coimbra, Pombal, Aveiro. (Já agora, como uma nota, recordo-me de uma vez em conversa com um político local ter ouvido, boquiaberto, dizer que a Figueira tinha a vantagem de ser um ponto focal entre estas cidades. Ao que parece, o dito senhor não percebia que as distâncias são as mesmas nos dois sentidos, e que estar rodeado de concorrência não é necessariamente bom.)
E depois, dessa decisão tomada, que haja a coragem individual e política de sacrificar quando necessário outras vertentes em prol da visão escolhida.
Por fim, há que criar uma oferta integrada alinhada com esta visão. Quer um exemplo? Quando o Fundão decidiu ser uma cidade tecnológica, criou um programa “chave na mão” para empresas que lá se quisessem relocalizar. Casas pré-inspeccionadas e com preços tabulados para os trabalhadores, espaço de escritório, colocação de crianças em escolas e idosos em lares… uma empresa só tem que dizer o que precisa, o município trata. E, quando uma das minhas empresas considerava radicar-se na Covilhã, o Presidente da Câmara do Fundão meteu-se num comboio e foi almoçar comigo a Lisboa para apresentar-me a oferta dele.
Por fim, e porque não quero limitar-me a apontar os problemas e uma solução genérica, deixo aqui algumas ideias. Tenho muitas! Por isso vou só deixar as baratas, as que não custariam quase nada à CMFF implementar, para que não haja a desculpa da falta de orçamento:
1.Tornar a Figueira um centro de acolhimento de projectos do programa Erasmus+ da Comissão Europeia. Passaríamos a ter, em permanência, centenas de jovens de todos os países da União Europeia a terem formações de uma semana aqui, dando vida à cidade, e publicitando a nossa oferta por toda a Europa. Bastava coordenar as infra-estruturas de alojamento, alimentação e actividades já disponíveis numa oferta unificada.
Pegar na oferta de restauração e actividades já existente, convidar uma empresa de animação de jovens a criar uma oferta integrada que permitisse aos pais entregar os jovens a um monitor e este levar os jovens às diversas actividades. Os pais compravam uma pulseira, os miúdos divertiam-se, os pais tinham descanso. Associado a um voucher-família que desse acesso a refeições pré-escolhidas em vários restaurantes da cidade para toda a família, com preço fixo por pessoa. Se devidamente integrado com a oferta hoteleira, faria da Figueira uma cidade-resort para famílias.
Os nómadas digitais não se radicam por causa de terem um co-work, fazem-no quando identificam um local que lhes permite um estilo de vida e actividades que valorizam. Uma vez mais, implica a existência de uma oferta integrada entre alojamento, actividades (para Verão e Inverno), oferta alimentar variada e que cubra limitações alimentares (vejam as percentagens de vegetarianos entre os nómadas digitais), oferta de colégios/escolas preparadas para leccionar em língua estrangeira, integrados numa oferta unificada;
Já temos um espaço com estúdios de gravação a ser criado, por isso seria uma questão de organizar acções de formação/conferências com este target. Ter, espalhados pela cidade, identificados e devidamente preparados locais para a realização de sessões fotográficas/gravações de vídeo. Por cada euro de investimento neste tipo de iniciativas, haveria um efeito de alavancagem de dez vezes face ao que é actualmente gasto na promoção do Concelho com cartazes e mupis que quase ninguém vê e que têm taxas de conversão miseráveis.
Não é difícil. Visão e integração. E coragem. Para que daqui a 25 anos eu não esteja a escrever outra vez a mesma coisa.